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domingo, 18 de agosto de 2013

O PRINCIPIO

Final dos anos setenta, miúdo com onze ou doze anos, muito reservado, com poucos amigos devido ao meu comportamento, vivia numa aldeia nas proximidades de Aljustrel, do distrito de Beja.
Ao contrário dos outros miúdos da mesma idade, eu gostava de ler, mentira; Eu adorava ler. Graças a um tio meu que tinha muitas revistas de BD, eu tinha acesso a uma grande variedade de títulos que eram publicados naquela altura. Eram bons tempos para os aficionados de BD, lembro-me com muita saudade de ir a qualquer papelaria e encontrar as prateleiras cheias, actualmente torna-se missão impossível encontrarmos todos os títulos que queremos no mesmo local, só com muito esforço e dedicação se consegue completar as colecções.


Lia tudo o que apanhava, Mundo de Aventuras, O Falcão, Condor, Aventuras do FBI, O Xerife, e tantos outros. Tal como muitos leitores se lembram, nestas idades faziam-se trocas de revistas, empréstimos, emprestava-se um lote de revistas a outro miúdo e em troca ele emprestava-nos um lote de revistas dele, que depois de lidas eram devolvidas, foi assim que tive o meu primeiro contacto com Tex.

Um dia, pego num lote de revistas e empresto a um rapaz três ou quatro anos mais velho do que eu, ele mostra-me as revistas que possuía para escolher e lá estava:
Aquela revista destacava-se; Não enquadrava em nenhum dos formatos que eu conhecia, pouco maior que o formato do Falcão e muito menor que o formato do Mundo de Aventuras e com muito mais páginas. Chamou-me imediatamente à atenção, cheio de curiosidade folheei avidamente a revista ignorando completamente as restantes, fiquei fascinado com os desenhos, muito fotográficos mas com uma enorme sensação de movimento, quase cinematográficos, é assim que defino os desenhos do mestre Ticci, para mim, o ainda melhor desenhador de Tex, apesar de já estar em declínio.



Vinheta desenhada por Giovanni Ticci - Tex 71 Assalto ao trem
Capa de Tex Nº 71
Li e reli a revista com enorme prazer, apreciando cada prancha e também o argumento de G.L. Bonelli, argumento fantástico, cheio de acção e movimento, ainda hoje umas das histórias que mais aprecio, não sei se pela qualidade, se por ter sido a primeira. É verdade que esta primeira leitura influenciou o meu gosto, naquelas que eu considero as melhores histórias está quase sempre o traço de Ticci, saliento: “Flechas pretas assassinas”, “A noite dos assassinos”, “Terra prometida” e “O solitário do oeste” entre outras. A história chamava-se: “Assalto ao trem”, o nº 71 da 1ª edição. A partir deste dia cresceu uma enorme vontade de mais e mais, esta sensação é semelhante à fome, uma vez satisfeita apenas acalma temporariamente, pois volta sempre.

Apesar de procurar em todas as papelarias que conhecia, não conseguia encontrar nenhum exemplar e procurei de uma forma obsessiva, sem baixar os braços, por longos meses, duas a três vezes por semana lá ia eu a todas as papelarias, revoltando tudo sem nada encontrar.

Numa das minhas buscas, nada diferente das anteriores lá estava – finalmente! Já tinha imaginado que a colecção não era mais publicada. Comprei imediatamente a revista, o Nº 100 “Aventura em Utah”, custou-me então trinta escudos, quase a totalidade que os meus pais me davam para toda a semana. É incrível a quantidade de detalhes que a memória consegue armazenar quando o assunto nos interessa. Sei o que custa ter de memorizar matérias para fins escolares e passados alguns dias já não me lembrar de nada,
Capa de Tex Nº 100
no entanto, recordo-me perfeitamente destes pormenores sem ter feito esforço nenhum para tal. 

Comecei então a minha colecção com o Nº 100 da 1ª edição, seguidamente adquiri o Nº32 da 2ª edição. Sempre com grande ansiedade me dirigia ás papelarias, duas ou três vezes por semana, a maior parte das vezes frustrado, ou por não encontrar nenhum exemplar, ou pior, porque comprava um exemplar e reparava que já tinham saído alguns números antes e eu não os tinha apanhado.
Durante todos estes anos na procura de completar toda a colecção, lembro-me das boas compras, compras de exemplares antigos em quiosques onde se comprava e trocava revistas em 2ª mão ou papelarias.

Um dia em 1985, num “furo” das aulas, passeava com um grupo de amigos por uma zona habitacional de Beja, passei junto a uma montra de uma papelaria que se encontrava fechada e no interior estavam cinco exemplares da 1ª edição: Números 25, 29, 30, 31 e 40, ao preço de 15 escudos cada um. Que achado! Não podia perder a oportunidade mas estava fechado. Não tinha nenhuma placa com horário, férias ou qualquer outra indicação. Bolas! O que fazer! Não me restou outra coisa a fazer senão passar todos os dias à espera que um dia a papelaria estivesse aberta. Passados alguns dias a minha persistência obteve resultados, consegui cinco exemplares da 1ª edição em estado quase novo, a menos de metade do preço que era praticado na altura. Só passados alguns anos no Barreiro, num quiosque de venda e troca de BD de segunda mão, que eu costumava frequentar para completar as minhas colecções, que eram várias além de Tex, me surge outra oportunidade como esta. Nunca tinha encontrado nesse quiosque, um único exemplar de Tex antes deste dia, de modo que não estava à espera do que encontrei lá:
O dono do quiosque tinha comprado uma colecção havia dois ou três dias, apesar de já terem sido vendidos alguns exemplares, ainda consegui comprar quase duas dezenas, foi uma das minhas maiores compras.

Capa de Tex 2ª edição Nº 93
Actualmente com 44 anos, colecciono tudo o que é publicado no Brasil de Tex, Zagor e Mister No e só em 2013, passados cerca de 30 anos após o inicio consegui completar estas colecções ao adquirir Tex 2º edição Nº 93.

Passados todos estes anos continuo a ter enorme prazer na leitura das histórias e deliciar-me com os maravilhosos desenhos de Ticci, Repetto, Vila, irmãos Cestaro, Della Monica entre outros. Por vezes pergunto-me porquê! Não consigo responder. No entanto já compreendi que existem muitos iguais a mim, basta ir ao Portal Tex Brasil  e ao Blogue do Tex para o confirmar. Esta minha história deve ser semelhante a muitos outros coleccionadores de Tex, pessoas da minha geração que continuam apreciar a BD como arte que é, e que devido às novas tecnologias como forma de entretenimento, têm tido uma vida editorial bastante difícil nas últimas décadas.

Longa vida a Tex, às publicações Bonelli e à BD em geral. Espero que a Mythos continue com o bom trabalho e que o número de leitores continue a aumentar para que eu e outros leitores continuem um passatempo, saudável e pedagógico para todas idades: Ler e coleccionar BD.

PS: Texto publicado inicialmente no blogue do Tex em 23 de Fevereiro de 2007
http://texwillerblog.com/wordpress/?p=1527



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